AOS TELESPECTADORES DA “GABRIELA”: “POETA" COM ASPAS

Varios telespectadores locais têm me procurado para comentar a exis-
tência de um “poeta de Mundo Novo”, aparecido na novela “Gabriela”. E,
pela descrição dos ditos, é evidente que se trata de um “poeta” com aspas,
um cara mais ou menos boçal. Pensando sobe o assunto, concluí que, cri-
ando um “poeta” com aspas, um “poeta” inventado, “fazido” e não nascido,
Jorge revelou, mais um vez, o seu talento. Porque: poeta, poeta mesmo,
sem aspas, só pode ser inventado por um romancista que seja, ao mesmo
tempo, poeta. Exemplo: Vitor Hugo. E poeta é coisa que Jorge nunca foi.
Romancista de talento, sim. Poeta, não! Poeta é quem escreve poesias: -
“Admastor de granito, com a testa roça o infinito e a barba molha no
mar”. “E a terra na vaga de azul do infinito cobria a cabeça com as
penas da noite”. - Castro Alves. “Para iludir minha desgraça, estudo”.
“Intimamente sei que não me iludo” - Augusto dos anjos. “Verdes teus
olhos são. “E de verde vestida, a quem te vê assim tudo é verde na vi-
da” - Alberto de Oliveira. “Eu sou o olhar, tu és a estrela. “eu contem-
plo, tu reluzes”, - Vitor Hugo.
Quanta coisa bonita, quanta poesia poderia continuar citando, de um
Raimundo Correia, de um Artur de Sales, de um Olavo Bilac, de um Da
Costa e Silva, de um Jorge de Lima, de um Manoel Bandeira, de um Raul
de Leoni, etc., etc., etc.! Ora, romancista que não é poeta, pra inventar um
poeta pra novela, só pode fazer o que Jorge fez: um “poeta” com aspas, um
boçal. É facil para um romancista de talento, fazer uma Capitu, uma Gabrie-
la, um Pedro Borges. Mas não é fácil, e é mais do que difícil, é impossível,
é fazer um poeta sem aspas. Daí o recurso que revela, mais uma vez, o ta-
lento de Jorge: apelar para as aspas, para o boçalismo. Mas, por que “de
Mundo Novo”? Não sei. Em 1929 conheci Jorge no, então, Ginasio Ypiran-
ga, (atual Colégio Ipiranga). Fomos companheiros de preparatórios, de bancas
de exames. Por insistência dêle passei parte de minhas férias daquêle ano
com êle, na fazenda de cacau do Cel. João Amado, seu pai, no município de
Ilhéus. Ignoro se êle, depois de ter atingido as alturas máximas da fama, ain-
da se recorda daqueles dias, daquêle convívio. Mas imagino que venha daí,
talvez, a lembrança do nome de Mundo Novo, lamentavelmente para ser
apontado como berço de um personagem boçal. Não creio que tenha feito
isto com a intenção de “bolir” com o antigo companheiro de lides gina-
sianas.
Nós, de Mundo Novo, não poderiamos exigir de Jorge o impossivel:
criar um personagem poeta que fosse poeta mesmo. Porque, para isto, seria
preciso que êle, Jorge, fosse poeta. E poeta êle nunca foi. Romancista de
talento, sim. Poeta, não!
Poeta do “Ypiranga”, em nosso tempo, não se chamava Jorge, chama-
va-se José: - José Bastos, de Itabuna. E havia ainda um outro, tambem
José - José Severiano, do Piauí. E ainda um terceiro que era o maior e não
era José, era Ivan: Ivan Americano, de Salvador.

Mundo Novo, 13 de setembro de 1975.
EULÁLIO MOTTA
A folha mede 165 milímetros de largura por 237 milímetros de altura. O papel é de gramatura e lisura medianas, e se encontra amarelado. O texto foi impresso em prensa de tipos móveis. O layout é simples, sem muitas variações de tipos e tamanhos de fontes, não há espaço especial entre parágrafos, mas simetricamente o texto está bem estruturado. Há uma moldura em torno da mancha escrita. Foram preservados trinta e dois exemplares desse panfleto.