RABISCOS

LENITA




[Coluna 1]

O leitor, ao ler este titulo −
Lenita – poderá pensar que se
vai tratar aqui de alguma des-
tas coisinhas feitas de sêda, car-
mim, pó de arroz e outras futi-
lidades.
Pode o leitor amigo jogar fora
este pensamento porque a “Leni-
ta†a que me refiro é feita de
coisa muito diferente – é feita de
talento. É um romance ou no-
vela escrita por Jorge Amado,
Dias da Costa e Edson Carneiro.
O primeiro, de quem tenho a
honra de ser muito amigo, é o
maior talento que já conheci. Fa-
lando sobre êle, disse-me, cer-
ta vez, Alves Ribeiro: “Jorge
Amado é um talento como eu
nunca vi nem nunca ouvi falarâ€.
Quem conhece Jorge, quem lê
o que lhe sae da pena, não acha
exagero nas palavras de Alves
Ribeiro. Os outros dois, Dias da
Costa e Edson Carneiro, são tam-
bem, duas grandes inteligências
que toda Bahia conhece e adi-
mira.
Mas não lhes quero escrever
elogios. Não vale a pena. Os ad-
jetivos estão estragados, des-
moralisados.
Vamos, pois, á obra. Leiamos
uma parte do 3º capitulo de “Le-
nitaâ€, que é o primeiro da pe-
na de Jorge.
“Costa Vieira era um tristeâ€.
Poeta lírico, de enorme pres-
tigio entre os intelectuaes do
pais, redator bem pago dos me-
lhores jornaes da cidade, mere-
cera de Gomes, que gastava o
tempo em inventar apelidos pa-
ra os literatos, o nome de ulti-
mo romântico. De fato, Costa Vi-
eira tinha uma alma estranha.
Impossivel encontrar-se maior
sentimental. Aliaz, tinha razão.
Filho unico, não conhecera a
mãe, que morreu mal o dera à
luz. O pae, pobre funcionario pu-
blico, trabalhava demais e nun-
ca tivera tempo de querer bem
ao filho. Crecera assim, sem um
carinho. No colégio interno, on-
de fóra perseguido pelo Diretor
porque o velho não pagava as
{†} venci-
{†} balho
{†}Não o
{†}a. êle
{†}ra de
{†}misa-
{†}mais
{†}ver-
{†} ouro
{†} seus
{†} os fi-
{†} ncia-
{†} cipe


[Coluna 2]


Disso lhe vieram duas conse-
quencias:
A primeira, que pouco lhe em-
portou, foi ter-lhe o Gomes des-
carregado, por um jornaleco,
uma serie de pefidias. A outra,
e esta lhe emportara muito, fora
o amor de Ester – Alda.
O poeta esqueceu todas as ju-
ras de não mais amar quem quer
fosse e se entregou de corpo e
alma a esta paixão. Toda noite
dizia ao ouvido de Ester – Alda
couzas lindas que tinham o sa-
bor de virgindade e a faziam
pensar na belêsa e no amor pla-
tonico da época do romantismo.
Êle lhe dizia da belêsa dos seus
olhos do odor maravilhoso que
desp{†}liam seus cabêlos...
Mas ela, sensual e moderna,
ela, que trazia no corpo toda a
degenerecencia de uma raça pre-
quiçosa e sifilítica, não se con-
tentava com as frases belas de
Costa Vieira. E um dia para o
escandalo dêle e para a sua tris-
teza, lhe perguntou:
− E os meus seios? Porque vo-
cê não fala na belêsa dos meus
seios?
Quisera ir alem, transcrever
todo capitulo, para dar ao leitor
uma Idea do que seja “Lenitaâ€
e, principalmente, do que seja
o talento grande, aristocratico,
muito alto, de Jorge Amado. In-
felizmente o espaço não permite
ir adiante. É-me forçoso pingar
o ponto final.


LIOTA.

F. Morro Alto, 1932.

A folha mede 165 milímetros de largura por 237 milímetros de altura. O papel é de gramatura e lisura medianas, e se encontra amarelado. O texto foi impresso em prensa de tipos móveis. O layout e simples, sem muitas variações de tipos e tamanhos de fontes, não há espaço especial entre parágrafos, mas simetricamente o texto está bem estruturado. Há uma moldura em torno da mancha escrita. Foram preservados trinta e dois exemplares desse panfleto, no acervo de Eulálio Motta.