ALTO BONITO


Desde que Paulo Afonso chegou ao Alto Bonito, que sonhava com uma
oportunidade de ir lá, à noite, para apreciar a iluminação na terrinha onde vi-
vi a minha infância. Naquele tempo só se via rua clara no Alto Bonito quan-
do a lua exibia a cara redonda, “prateando a solidão, como diria o Catulo...
De dia eram os cavalos de pau e as arapucas nas capoeiras de cansa-cavalo
ou moleque-duro da casa de Báia... (Pedro da Báia tinha uma cachorra chama-
da “Deixa-famaâ€; e a gente bolia com ele dizendo que o nome da cachorra
era “deixa-fomeâ€. Danava!)
Como ia dizendo: sonhava com uma oportunidade de ver o Alto Bonito
de noite, desde que levaram Paulo Afonso pra lá. Um dia desses, dia de do-
mingo, dia de feira no Alto Bonito, lá estive à tarde e entrei pela noite...
Domingo, dia de feira no Alto Bonito! Cadê você, Catarino? Lembro de seu
companheiro de pinga – Pedro Zóio, bebendo cachaça e fazendo barulho aos
domingos... Mestre Elias... Zé Trapaiado.. Nenem Quixe, que continua no
Alto Bonito de hoje... cabeça de algodão, aposentado , apesar disto, ainda
dando duro na lua da sela, em viagens a Mundo Novo, buscando jornais,
revistas, brugunzos do patrão... D. Fiinha, que neste ano de 78, chega ao fim de-
pois de ter assistido a passagem de seu centéssimo-décimo-oitavo aniversario.
Naquêle tempo Alto Bonito não tinha rádio de pilhas, não tinha Paulo
Afonso, não tinha televisão... Mas tinha muita fé católica e muita alegria. Fé
e alegria que explodiam em festas memoráveis, nas novenas de Sant´Ana e no
mês de Maria... E tinha os umbuzeiros dos pastos de Amado Bahia, alegria
dos meninos... E a mangueira de Papai em cuja sombra se fazia a feira, on-
de se vendiam brevidades e pipocas de goma de Mitila. E a boniteza mar-
cante de Vicentina, a menina mais bonita do arraial! E as outras meninas...
Namoricos infantis na escola... Vicentina não dava bola pra nenhum...
A escola... professores sucessivos: D. Zizinha, Maria Candida, João Vilaronga,
professor Pôpo, que era doente: Veio da Bahia (Salvador), para tomar ares
no Alto Bonito. Tinha tosse seca e bebia mel de uruçu. Quem não queria
botar menino na escola de Papai, botava na de Iaiá das Piabas... Não tinha
escola municipal. E muito menos estadual. Papai é quem não deixava Alto Bonito
sem escola. Mania que ele tinha. Agora Alto Bonito tem escola municipal,
escola estadual... E tem caras diferentes, caras diferentes... Neste Alto bonito
de hoje sou quase um desconhecido. Parece que me vêem com cara de fo-
rasteiro... com ares de turista... O que não está muito diferente é noite sem
lua: ─ as ruas continuam no quase escuro – de 24 lâmpadas que botaram nas
ruas só vi 4 acesas... E, assim mesmo, fraquinhas... parecendo de 100 velas
ou menos, apesar de informação em contrário. Penduradas do cocorute de
postes muito altos, parecem arremedos de fifós... Não culpo a administra-
ção municipal. culpo os residentes atuais que não botam a boca no mundo,
gritando por reposição de lâmpadas... e lâmpadas eu não façam papel de
fifós... “Quem não chora não mamaâ€, minha gente! (I)
Alto Bonito! de Jeremias... De Mãe Andreza... Alto Bonito de meu
gado de osso... Alto bonito que já era,..

Mundo Novo, 14/7/1978.
EULALIO MOTTA


( ) - Depois de escrito esse comentario, soube que as lâmpadas apagadas
foram reacesas.
A folha mede 163 milímetros de largura por 240 milímetros de altura. O papel é de alta gramatura, baixa lisura e se encontra amarelado. O texto foi impresso em prensa de tipos móveis e há uma emenda a caneta na linha 9: "era "deixa-fome". Danava! {)}"; e uma na linha 29: "professor Pôjo, que era donete: Veio da Bahia [(]Salvador, para tomar ares".
O layout é simples, não há muita variação de tipos e tamanhos de fontes, nem espaço especial entre parágrafos. Há uma nota de pé de página, mas o tipógrafo não incluiu o número dentro do parêntese. Foram preservados quinze exemplares desse panfleto.